This post comes from Liberal Libertario Libertino, a Portuguese-language blog written by Alex Castro, a Brazilian living in the US.
O Problema do Brasil É a Falta de Conflito Racial
Dizem alguns leitores:
O Brasil não tem conflitos raciais mas, ao ficar falando de racismo e estimulando as pessoas a se identificarem racialmente, você arriscam criar conflitos que nunca existiram.
Minha opinião é oposta: acho que a falta de conflitos raciais é um dos grandes problemas do Brasil.
Muito estrangeiros consideram os Estados Unidos, por exemplo, uma nação fraca por causa de seus conflitos internos. Do ponto de vista, digamos, de uma nação pacífica, como a Arábia Saudita, os EUA são um poço de crimes, contradições, ódios. E eles têm razão. A diferença é que os conflitos são a fonte de força dos EUA, não de fraqueza.
Sociedades que não tem conflito são em geral estratificadas e anti-democráticas. Não existe conflito porque uma classe social, etnia ou grupo religioso está totalmente sob o controle de outra, especialmente se essa superioridade já está culturalmente introjetada. As mulheres africanas não se revoltam contra a circunsição feminina porque elas sabem que são naturalmente mais propensas ao pecado e que o prazer sexual só serve para estimular a luxúria. Como poderia haver conflito nesse cenário?
A paz, via de regra, só existe dentro de uma hierarquia pré-definida. O confucianismo foi uma tentativa de resolver as disputas internas que convulsionavam a China: dentro desse sistema, sempre se sabe exatamente quem manda e quem obedece. A hierarquia militar funciona sob a mesma lógica: quando um capitão fala, o tenente obedece; quando o tenente fala, o cabo obedece; quando falam dois tenentes, vale o mais antigo; etc. O importante é: sempre se sabe, sem sombra de dúvida, quem é o superior. Se todos aceitam as premissas, não há possibilidade nem espaço para conflito.
Por outro lado, terça feira agora, 8 de setembro, o presidente dos Estados Unidos vai fazer um discurso em rede nacional para os alunos da nação - e já está em curso um movimento para que as famílias deixem seus filhos em casa, ou que não permitam que assistam, para não sofrerem "lavagem cerebral com os dogmas liberais". Sob pressão dos pais, muitas escolas declararam que não obrigarão os alunos a assistir, e muitas não vão nem mesmo passar o discurso. Parece coisa de maluco, mas são cidadãos encarando o governo mais poderoso do mundo e brigando pelo direito de eles mesmos lavarem os cérebros de seus filhos. Do ponto de vista de uma sociedade estratificada, anti-democrática e pacífica, parece ser mais um exemplo de como os EUA são uma nação fraca e dividida. Do meu ponto de vista, é um exemplo da força das instituições democráticas americanas -cuja prática nem sempre está a altura da teoria, todos sabemos bem disso.
As democracia se baseiam no conflito. Quando você tem uma massa de cidadãos com os mesmos direitos civis e políticos - pelo menos, segundo a letra da lei - eles vão entrar em conflito o tempo todo. Vão uns processar os outros. Vão tentar puxar as sardinhas pros seus lados. Vão eleger deputados que irão defender bandeiras radicalmente opostas no Congresso. A própria estrutura do governo já prevê um conflito contínuo entre os três poderes - teoricamente, esse conflito garantiria a democracia, ao não permitir que um poder tenha ascendência sobre os outros.
Acho graça quando batem no peito pra dizer que somos uma nação pacífica e sem guerras. Claro que somos. Mas isso é bom? As independências hispano-americanas foram sangrentas porque, de fato, se tentou uma mudança institucional radical. A nossa foi pacífica porque foi uma assunto de pai pra filho no qual nada fundamentalmente mudou - a não ser para quem iam as receitas alfandegárias. Assim é fácil ser pacífico.
É verdade que no Brasil não existe conflito racial? Claro que sim. Isso é bom? Claro que não.
No Brasil, não existe conflito racial porque o negro sabe o seu lugar*.
Quando falo de racismo, muitos leitores respondem apontando que muitas vezes os negros são mais racistas que os próprios brancos. Esses leitores parecem não entender que, além de ser tristemente verdade, essa fato é mais uma comprovação do racismo endêmico e generalizado do Brasil, um racismo transmitido e sustentado por todos os meios de comunicação, pelos nossos ditados populares, pelos nossos costumes, pela nossa literatura infantial, pelas nossas lendas folclóricas, pela própria língua. Como esperar que os próprios negros não sejam influenciados e não introjetem todo esse preconceito? Como esperar que uma menina negra, em fase de formação, não se identifique com as princesas loiras dos contos de fadas? (clique aqui e assista o vídeo no finalzinho do post)
Sim, falta conflito racial no Brasil. No Brasil, o negro sabe o seu lugar: os conflitos começam somente quando ele tenta sair desse lugar e ocupar outra posição socioeconômica. O negro brasileiro, imerso no mais profundo, avassalador, disseminado, estrutural racismo, ou introjetou sua própria inferioridade e acha que não merece um lugar melhor que o atual, ou então, por se saber cidadão de terceira categoria, sabe que a luta seria vã, que começar um conflito que não pode ganhar só pioraria as coisas, e educa seus filhos para serem humildes, calados, pra não chamarem atenção e não criarem problemas.
No Brasil, nunca houve leis racistas proibindo negros de ingressarem em restaurantes, hotéis, tribunais porque a própria estrutura socioeconômica perversa já era garantia mais do que suficiente de que negros somente entrariam nesses ambientes pra varrer o chão e servir café. O Brasil é tão arraigadamente racista que nunca nem precisou de leis racistas para manter seus negros em posição totalmente inferiorizada.
A falta de conflito racial no Brasil é a paz do mais forte que é tão mais forte que sua dominação nem mesmo é contestada e do mais fraco tão mais fraco que nem vale a pena começar a brigar. Assim é fácil não ter conflito racial.
A Pax Romana também foi uma era inigualada de paz e tranquilidade: a Europa inteira estava ou sob controle dos romanos ou temerosa de vir a estar. Os romanos mandavam e todos obedeciam. Não tem como ser mais pacífico do que isso.
A questão é outra: isso é bom?
Nos EUA, esse país que no imaginário ignorante brasileiro é um inferno racial, um professor negro foi preso ao tentar entrar na própria casa. O incidente virou assunto nacional, dando origem a mais uma reflexão sobre o racismo no país.
No Brasil, o caso de um cidadão que foi espancado e torturado pelos seguranças de um supermercado e pela própria polícia, acusado de roubar seu próprio carro, demorou mais de duas semanas a aparecer no primeiro grande jornal e o assunto foi rapidamente enterrado. Cadê reflexão nacional? Zero.
Abaixo, alguns links para ambos os casos. Basta usar o google para perceber a discrepância. Busquem pela prisão do professor e encontrarão matérias dos principais jornais dos EUA. Busquem pelo cidadão torturado e só encontrarão posts em blogs - a maioria estrangeiros.
O Brasil seria um país muito melhor se houvesse um pouco mais de conflitos raciais; se episódios como esse repercutissem por todo país e fizessem mais pessoas repensarem suas opiniões idiotas; se mais negros lutassem por seus direitos; se mais brancos fossem abertamente (ao invés de insidiosamente) racistas; se um lado tivesse pelo menos um terço das baixas do outro.
As pessoas tendem a ficar mais conservadoras e pacatas com a idade, mas eu sempre fui todo ao avesso mesmo. Quanto mais envelheço, quanto mais viajo, quanto mais conheço a História, quanto mais vejo a condição de vida de quem está por baixo, quanto mais escuto as opiniões canalhas de quem está por cima, mais me convenço de que certas situações, deus que me perdoe, só se resolvem com sangue correndo na rua.
Aliás, sangue correndo na rua é o que já não falta. A questão é: de quem?
* Tentei encontrar o autor dessa lapidar frase, mas encontrei-a atribuída a Millor Fernandes, Érico Veríssimo, Roberto DaMatta, etc. Ou seja, já virou domínio público.
Click here for links to news topics mentioned in the article.
Artigo com incrível discernimento da condição brasileira social. Para aqueles que sempre pensaram que no Brasil não ocorre problemas raciais, aqui encontra-se um ponto de partida para nova reflexão sobre a realidade. Sempre ouvi de amigos Americanos que no Brasil "everyone just gets along" e sempre foi difícil explicar a complexa e sistemática institucionalização do racismo brasileiro. Muitos ao olharam para população brasileira dizem ver uma mistura racial maior que de outros grandes países, mas claro que deixam de perceber os milhares que lutam contra si mesmos porque nesta mistura aprenderam a odiar sua própria condição. Essa própria difusão étnica brasileira trabalha contra uma frente unida contra o racismo. Como poderiam pelejar contra membros da própria família ou outros cidadão que tão nitidamente parecem já ter incorporado o DNA do alheio? Claro que podemos casar e descasar de muitas etnias mas nunca abrir nossa mente às condições de outros. No Brasil existe tal concreta força social que impede mistura sócio-econômica e vinculada ao racismo estes grande dilema sempre são outorgados a outros problemas.
Posted by: Roger Penguino | September 09, 2009 at 10:22 AM
Acho que voce pode extender esse discurso para quase todos os problemas brasileiros, a nossa passividade e'um grande obstaculo pra mudanca politica, social, economica, pra tudo. Aprender a questionar e protestar mais seria uma grande coisa para o povo brasileiro, acho eu.
Posted by: Silvia | September 09, 2009 at 01:23 PM
Great article! Very articulate.
Here is the reaction of brazilians who read it:
http://www.interney.net/blogs/lll/2009/09/06/o_problema_do_brasil_e_a_falta_de_confli/#comments
As you can see, the authors remarks on Brazil being hierarchical and authritarian went over the head of the Brazilian posters who write saying that lack of command and control and, instead, a society where the individual is free to push his agenda and pursue his interest even if its against the interest of others will insure in "chaos".
Brazilians love order! Its in their flag motto! But "order" doesnt mean rule of law. Order means strict hierarchical harmony with each one knowing where their "place" is. A monolithic absolutist mentality which is completely hostile to individual freedom and civil rights!
Once again congratulations on the fantastic article.
Posted by: Jolly | September 09, 2009 at 10:26 PM
After reading lots of comments written by Brazilians in several different sites I decided to make this list. The types of Brazilian posters youll encounter
1. the nutcase - this guy is a hate machine. He will send death threats. He will write endless streams of insults including racial and sexist remarks. He will post hundreds of these messages a day and will signup for tens of different accounts just in case you block him.
2. the equalizer - this one always counter the critique of something negative about brazil (crime, poverty, corruption, etc) with the argument that its just as bad in the US. However since reality is biased against him, he cant offer any sort of statistics or data that backs his argument. So he resorts to other tactics.
a) the storyteller - this type of equalizer will tell stories of a friend of a friend or a cousin or an uncle who saw this horrible thing while he was visiting the US and this proves the US is as bad as Brazil in "fill in the blank".
b) the projector - this guy is the most ignorant of them all. He knows nothing about American culture and he imagines the US is a bigger more sinister version of Brazil. So for example, Brazilians believe rich people got rich by screwing other people, so if the US is way wealthier than Brazil why then it must have screwed even more people! Same thing with violence (bigger more high tech army), racism (people with fair complexion are even "whiter" so they must act more racist), etc.
3. the derailer - this guy will nitpick anything someone writes in his post critical of Brazil just to change the topic. The usual favorites are starting an argument on the word "american" (no i wont stand it! everyone in the Americas is american! watch me kill the topic and not address any of the points raised!). Another favorite is the word latin (i wont accept this im not latin im european! blah blah blah).
4. the reciter - Brazilians love to say Northern Europeans are cold and robotic. Well it doesnt get more robotic than this guy! He will spit out a stream of information that have nothing to do with the topic being discussed. This information is a collection of facts, lies and distortions. So, for example, there is a discussion on why Brazilians cant take criticism without exploding in anger. Well this guy will post "Hiroshima, Nagasaki! Vietnam War! George Bush! Columbine! Invasion of Amazon! "savage" capitalism! KKK! puppet of Isreal!
There you have it.
Posted by: Jolly | September 11, 2009 at 12:46 AM